Novembro, mês da Consciência Negra, período em que basta abrir as redes sociais e se deparar com publicações sobre o tema. Por isso, este blog decidiu fazer igual, mas não totalmente: serão apresentadas 4 escritoras negras, 2 brasileiras e 2 estrangeiras, importantes e interessantíssimas, com uma dica de leitura de cada uma delas.
É certo que a invisibilidade e o apagamento de pessoas negras existe, então, conhecer o trabalho de artistas, intelectuais e outras profissionais negras é uma maneira de valorizá-las, extrapolando mas reconhecendo a força de sua negritude.
Mas, para combater essa invisibilidade e apagamento resultantes do racismo estrutural, não bastam um dia ou um mês de homenagens. É preciso enaltecer diariamente, o ano todo, personalidades negras que foram e são relevantes nas respectivas áreas de atuação.
Assim, fica o convite para conhecer um pouco mais dessas escritoras e ler, não somente em novembro, mas durante o ano todo, literatura produzida por homens e mulheres pretas.
Carolina Maria de Jesus
A primeira autora a figurar nesta lista tinha que ser ela, pela importância de sua obra para a literatura brasileira. Negra e periférica, nasceu em 1914, em uma comunidade rural de Minas Gerais. Teve uma infância miserável e estudou por somente 2 anos. Adulta, veio para São Paulo, morou na favela, foi empregada doméstica e catadora de papel. Chegou a vivenciar o sucesso como escritora em vida, mas não foi devidamente remunerada por isso.
Teve 5 livros publicados em vida, mais 5 obras póstumas. Foi traduzida para 14 línguas e 40 países. Após sua morte, foram descobertas mais de 5.000 páginas de manuscritos seus, entre romances, poesias e peças de teatro, que permanecem em sua maioria inéditos.
Depois de alguns anos sendo ignorada pela crítica literária e pela academia, recentemente Carolina Maria de Jesus foi redescoberta e passou a ser novamente lida e estudada. O livro de maior sucesso da escritora, “Quarto de despejo: diário de uma favelada”, figurou como obrigatório no vestibular da Unicamp em 2019.
A obra em questão, como o nome revela, é um relato do cotidiano de uma mulher pobre e favelada. Com linguagem simples, por vezes fugindo da norma culta, retrata de maneira direta e profunda as vivências da mãe de 3 filhos, solteira, que está tentando sobreviver na metrópole.
Uma dica extra: a grandiosidade da escritora também pode ser conferida na exposição gratuita “Carolina Maria de Jesus: Um Brasil para os brasileiros”, em cartaz no Instituto Moreira Salles, em São Paulo, até o dia 27/3/2022.
Paulina Chiziane
A moçambicana foi a primeira escritora do país a ter um livro publicado. Além disso, ganhou em 2021 o Prêmio Camões, atribuído a autores que contribuíram para enriquecimento do patrimônio literário e cultural da língua portuguesa.
Sua principal obra é “Niketche: uma história de poligamia”, que consta na lista de leituras obrigatórias do vestibular da Unicamp 2022. O romance conta a história de Rami, que, após descobrir que seu marido, com quem é casada há 20 anos, tem amantes e filhos por todo Moçambique, decide conhecer cada uma das mulheres com quem ele se relaciona.
Vale a pena conhecer não só a obra, mas a história de vida da escritora, seu pioneirismo na escrita, bem como suas reflexões a respeito das religiões e do papel da mulher africana em seu continente.
Chimamanda Ngozi Adichie
A nigeriana, jovem escritora de ficção e não ficção e mundialmente conhecida, é um dos maiores destaques da cultura de seu país e também da literatura contemporânea em língua inglesa. Suas palestras no evento TEDTalk contam com milhões de visualizações na plataforma YouTube.
Os pensamentos dessa escritora são tão potentes que trechos de suas falas, retirados da palestra “Todos devemos ser feministas “, realizada em 2012, foram utilizados na música “Flawless”, da diva pop Beyoncé, que renderam a ela até uma indicação ao Grammy em 2013
Seu livro mais famoso é o romance “Americanah”, de 2014, no entanto, já que Chimamanda é uma importante voz do feminismo atual, este blog indica a obra de não-ficção “Para educar crianças feministas: um manifesto”. Trata-se de um livro pequeno, rápido e fácil de ler, porque a escrita é fluida e parece uma conversa: em formato de carta a uma amiga que acaba de se tornar mãe de uma menina, a autora apresenta conselhos simples para oferecer uma formação igualitária a meninas e meninos.
Lélia Gonzalez
Esta humilde lista se encerra com outra brasileira: Lélia Gonzalez, que foi intelectual, ativista e política. Nasceu em Belo Horizonte, Minas Gerais, em 1935. Filha de pais pobres, conseguiu estudar, formando-se historiadora e filósofa. Porém, sua contribuição acadêmica, intelectual e militante foi muito maior que isso. Lélia transitava da filosofia às ciências sociais, da psicanálise ao samba e aos terreiros de candomblé.
Para se ter uma ideia de sua importância, a famosa ativista norte-americana Angela Davis, declarou em 2019, quando esteve no Brasil: “Por que vocês precisam buscar uma referência nos Estados Unidos? Eu aprendo mais com Lélia Gonzalez do que vocês comigo”
Corroborando a fala de Davis sobre a importância de Lélia, matéria publicada no Portal El País afirma que “Ao propor uma nova visão do feminismo, que considere o caráter multirracial e pluricultural da América Latina, em contraposição à visão eurocêntrica, ela discutiu, ainda nas décadas de setenta e oitenta, o que hoje se aproxima dos conceitos de feminismo interseccional (que incorpora as desigualdades de raça e classe) e decolonial (que questiona a ordem econômica e de pensamento de grupos dominadores).”
A escritora cunhou termos como o “pretuguês”, que nada mais seria do que a “marca de africanização do português falado no Brasil” (VISCARDI, 2021).
Assim, a dica de leitura é a obra que melhor apresenta os pensamentos da autora: “Por um feminismo afro-latino-americano”, que reúne textos produzidos ao longo de duas décadas. É uma leitura mais longa e densa do que as anteriores, mas ainda assim, essencial.
Referências
DELCOLLI, Caio. Cinco fatos sobre Chimamanda Ngozi Adichie. In: Revista Elle. https://elle.com.br/cultura/5-fatos-sobre-chimamanda-ngozi- Publicada wm 2/6/2021. Acesso em 24/11/2021.
GONÇALVES, Juliana. A escrita sagrada da romancista moçambicana Paulina Chiziane. https://www.brasildefato.com.br/2016/09/21/a-escrita-sagrada-da-romancista-mocambicana-paulina-chiziane. Publicada em 21/09/2016. Acesso em 24/11/2021.
MERCIER, Daniela. Lélia Gonzalez, onipresente. https://brasil.elpais.com/cultura/2020-10-25/lelia-gonzalez-onipresente.html El Pais. Publicado em 25/10/2021. Acesso em 24/11/2021.
RASCUNHO. Paulina Chiziane, do Moçambique, vence Prêmio Camões 2021. https://rascunho.com.br/noticias/paulina-chiziane-do-mocambique-vence-premio-camoes-2021/ Acesso em 24/11/2021
Redação do ABC do ABC. Conceição Evaristo comemora aniversário com Paulina Chiziane em encontro on-line. https://www.abcdoabc.com.br/abc/noticia/conceicao-evaristo-comemora-aniversario-paulina-chiziane-encontro-on-line-140912 Publicado em 24/11/2021. Acesso em 24/11/2021.
TEMPERO Drag. Mulheres Foda #03: Carolina Maria de Jesus. https://youtu.be/W5ONEEzm7wI
VISCARDI, Janaísa. Pretuguês, de Lelia Gonzalez. https://youtu.be/AA4MjU-Q-Zk